quinta-feira, 17 de novembro de 2011

Mote: ação



Motivação. Encarei a palavra escrita em um pedaço de cartolina posto em minha frente. Arregalei os olhos enquanto erguia um pouco mais o tronco, com as pernas cruzadas. Tentava entender não o que ela queria me dizer, mas o que ela queria que eu dissesse. Então me dei conta de que não haveria onde marcar meu “xis”: a resposta era subjetiva demais. Começava a entender – acho – que eu estava sendo incitada a pensar sobre o assunto. Quais eram as razões de ser? Que papel tinha em minha vida? Quais as justificativas para determinadas atitudes?

Uma quantidade enorme de interrogações foi se formando em mim. Mas pouco a pouco fui percebendo que era sobre “ação” de que se falava; ou melhor, dos motivos que levam à ação: de que motivos me levam, ou me levarão a me manter em ação.

Muitas coisas têm mudado em minha vida, e saber agir, sair do plano das idéias e colocar os sonhos em prática é uma delas. Mas embora eu já tenha conseguido mover as engrenagens certas aqui dentro para determinadas atitudes, algumas permanecem enferrujadas. E o que vai me levar a encontrar o ponto certo? Onde está o fio solto, o parafuso frouxo ou o dente quebrado? E como manter meu motor lubrificado o suficiente para que ele continue em ação?

Se fosse simples como saber que há um óleo para freio, outro para motor... e que óleo Singer servisse pra gente tão bem como pra maçanetas... mas são tantas coisas burilando dentro da gente; são tão diferentes em tipos e intensidades; tão diversas em cada um de nós, que só é possível dizer que o que serve para mim não necessariamente vai servir para você.

Eis a chave: olhar para dentro, estar atento, manter-se desperto. Saber, mesmo que de uma forma geral, como funciona; e assim poder acionar os mecanismos certos. Não nos reduzo a uma máquina, apenas tento ilustrar como tenho me sentido: descobrindo meu manual de instruções.

O mote para a mudança, desde o começo, é a ação. A necessidade dela, a dinâmica dela. A razão de agir pode ser diversa em cada um, e pode ramificar de formas diferentes. Eu sei o que me move, e não descobri no Google, como descobri a autoria da frase que há tempos repito: “o amor me move: só por ele eu falo”, atribuída a Dante Alighieri ― descobri na eugenia, na herança que carrego no meu “número de série”. É de família; tanto herdado, quanto ensinado, e aprendido.                                    
                                
O texto é antigo, mas continua a me servir. E continuo a descobrir, com alegria, o meu Manual de Instruções.
                                                                                                                                            

quarta-feira, 10 de agosto de 2011

das coisas que desgosto

Ando tomada de um cansaço que consome até as palavras. Cansaço de buscar aquelas que seriam capazes de traduzir a extenuação em que me encontro. É o dia que começa com dor de cabeça, se enche de felicidade e esperança e volta a padecer do cansaço dos dias iguais em suas idas e vindas. Tantos dias carecedores da constância que equilibra e conforta. Minuto feliz, com as possibilidades de vencer os obstáculos; momentos de profunda gratidão por tudo o que tenho e por tudo o que amo; horas cheias do atarefado ócio de quem tem sempre muito que fazer, e nada vê pronto.

Cansaço corrosivo por todos os dias precisar vencer a própria inércia e dar o primeiro passo, como se cada baforada de ar que colocasse para dentro fosse consciente e trabalhosa. Como se cada ínfimo pensamento fosse uma centelha, e que todos eles juntos fosse um caldeirão hermeticamente fechado e pronto para explodir. Cansada até mesmo de ver felicidade nisso tudo, e de rir dos meus problemas, tropeços, quedas, topadas e equívocos. Cansada de ver quem amo trilhar caminhos tão fáceis quanto perigosos, e cansada de me importar com isso.

Todo dia um leão. Melhor, uma leoa. Todos os dias luto comigo e não sei se venço ou perco. Apenas sei que sobrevivo, e sobreviver às vezes cansa.

Das coisas que desgosto, essa que agora exercito é das piores: a amargura. Quase sempre proíbo com vigor que ela se manifeste em mim, e enfio um pouco mais para dentro para ver se passa. E não passa. E o eu “Poliana” dos livros da adolescência me toma e me aquieta. Assim, digo todos os dias que há milhões com tantos e piores sofrimentos que eu, e tiro de mim o direito de lamentar, praguejar e maldizer. Dessa forma tiro de mim a oportunidade de exorcizar, de esvaziar meu peito dessa angústia infinita de viver me perdendo e me encontrando.

Lembrei das palavras do Quintana: “A nós bastem nossos próprios ais, Que a ninguém sua cruz é pequenina. Por pior que seja a situação da China, Os nossos calos doem muito mais...” e resolvi dedicar aos meus dolorosos calos essa lástima.

Resolvi hoje pensar em mim e doer minha dor. Resolvi me encher da humanidade e fragilidade dos que sucumbem a ela. Resolvi que é desumano eu tentar sempre ser positiva e operante, e que se não há esse ser vivente que enfrente tudo sem vacilar ou sofrer, não preciso pretender aparentar – embora essas palavras tenham me soado mal juntas – o contrário.

Sorrio, brinco, choro, sofro, empino o nariz, estufo o peito, gargalho, caio e tropeço. Assim, tudo junto. E, agora, acabo de descobrir, sou capaz – e bem capaz – de ser amarga e mesquinha. Melhor, sempre fui capaz de sê-lo. Melhor ainda: sempre fui, e agora sou só mais capaz de admitir. Meus calos doem mais que os seus porque doem em mim.

Sinto tudo ficando mais leve.

Sinto a menina saída do confessionário rezando suas três ave-marias e seu pai-nosso. Só não é em penitência; é em agradecimento pela folha em branco que me redime.



o texto não é novo, o sentimento também não é. 

terça-feira, 24 de maio de 2011

Caçador de si

Hoje é aniversário daquele que me apaixona e encanta, alegra e orgulha, assusta e admira. Vejo o mesmo homem de dez anos atrás e ele é tão perturbadoramente o mesmo, mas tão desafiadoramente diferente...

Continua a ter os olhos curiosos de criança - incapazes de esconder o que sentem. Mas também ganhou no brilho a serenidade de quem sabe o que quer, com a segurança de quem tem nas mãos uma bússola e no coração uma certeza.

Meu amor é samba de poesia tão simples quanto sábia do Cartola; feito da pureza das coisas brutas que prescindem do lapidar que falseia seu valor.

Posso vê-lo no Clube da Esquina, curvado sobre seu violão canhoto cantarolando “Se já nem sei o meu nome, se eu já não sei parar...”, agudo e arrastado na suave melodia de Manuel Audaz. Mas não carrega só a melancolia típica dos poetas, e a introspecção dos mineiros: tem a perseverança dos que quietos trabalham pelo porvir tendo no coração o moleque que vence a porteira, ou alcança a janela.

Ele é violão dedilhando Lô Borges. É o som negro de Cassiano, a versatilidade de Ed Motta, e a diversa musicalidade de Djavan. Ele é Gilberto Gil e sua impossibilidade de definição.

Alexandre, meu amor, é música.

É o pulsar da Timbalada, a bandeira e a mistura do Chico Sciece; É a quietude de Sá e Guarabira tanto quanto Beatles, Queen, Iron Maiden, Steve Wonder e Dave Matthews. Tem a inquietação do Ira, dos Paralamas, dos Titãs... É Caetano cantando “quero um baby seu”, Ivan Lins em “guarde nos olhos”, João Bosco e sua “memória da pele”. É “tonelada de desejo” do Bronw, a ladainha do “vestido de chita” de Daniela Mercury, e o “Assum preto” do Gonzagão.

Meu amor, Alexandre, é sobretudo, música. E uma é mais do que as outras: Caçador de mim.

Ali o vejo definido: doce ou atroz, manso ou feroz, entregue a paixões, movido por elas. Vejo nele a incessante busca por si mesmo cantada por Milton Nascimento. Ele repete que não há nada a temer senão o correr da luta; que não há nada a fazer senão esquecer o medo. E assim tem ido longe. Assim tem sonhando em ir além. Assim tem superado medos, incertezas, obstáculos. Assim tem se descoberto mais que caçador: vencedor. Não aquele que ergue o troféu, mas aquele que já venceu a si mesmo na luta pelos primeiros passos.
Meu amor é minha trilha sonora.

domingo, 8 de maio de 2011

Por ela, Luísa.


Há muito era anunciado que dali por diante, tudo seria por ela. Na barriga, ouvia o ninar da canção que inspirou seu nome: Luísa. Fora do ninho da mãe, aconchegada pela primeira vez no ninho do pai, ouvia a conhecida cantiga.

Mamãe da cama acompanhava o ir e vir do papai com a cria nos braços. Mãos grandes de delicadeza. Braços fortes de vencer a vida em nome dela. Já se sabia, mas naquele instante tudo se tornava mais claro e real.

Um rir de olhos, uma voz de veludo, e papai arrumava jeito de acomodar nos braços sua maior riqueza. E se ouvia o cantar doce de Chico... e se se pudesse apurar um tanto mais os ouvidos, ouvir-se-ia também o coração da mamãe em sossego, o coração do papai em compasso, e o coração da Luísa, em sua certeza-anjo de estar em bons braços.

Por ela. Por ela, e para ela. De sempre, e mais adiante, o amor se desdobrará em cuidados cotidianos, e em tudo o mais enquanto possa, para que ela durma e viva em paz.

Luísa é filha do meu enteado  Alexandre Júnior, e da minha amiga Ana Izabel. 
E é dando o "Primeiro Feliz Dia Das Mães" para essa mamãe, que homenageio todas as outras. 
Paz e Bem!
 
 

segunda-feira, 18 de abril de 2011

Amor de picadeiro



Amo-te tanto, amor, que por vezes em mim gira a alegria bailarina de piruetas. Amo-te tanto, que meu peito por horas se faz picadeiro tomado por palhaços, equilibristas e malabaristas. Amo-te tanto, amor, que por dias ouço o dobrado anunciar o perigo, e rio a ansiedade do ápice do espetáculo: ―Rufem todos os tambores, que meu amor me chega, e a cada segundo é como chegasse, e a cada segundo é como se de novo chegasse, e a cada segundo, espero que ele de novo chegue. E eis que surge, criança grande rindo lábios e olhos, prometendo-me felicidade de cócegas.

Amo-te assim ― tanto ―, amor, que me faço pequena expectadora arquibancada no espetáculo de te amar.

                                                                                  

quinta-feira, 10 de março de 2011

Descor




Sobra cinza no dia. Descorada alegria desbotou. Mais. Ainda mais. Cor de junção de chão. Quina de móvel há anos imóvel. Esquecido no lugar. Cinza sombra de tempo. Palavra rabiscada a grafite. Despelando do corpo das coisas ditas. Esmaecida. Desconjuntada. Isolada. Perdida do que foi. Poeira do que sobrou. Cinza poeira da brasa que ardeu. Um dia ardeu. Sopra. Sopra. Assopra. Nada. Dança cinza fecha a cortina. Nada. Nem pingo. Nem vermelho. Nem laranja. Nem amarelo. Nem esperança de cor no carvão. Melou. Olho cinzento d’água. Do que foi, do que poderia ser, do que teria sido se não fosse... se não fosse adeus.

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

SEGUNDA: FÁCIL – Jota Quest



Tudo é tão bom e azul
E calmo como sempre
Os olhos piscaram de repente
Um sonho
As coisas são assim
Quando se está amando
As bocas não se deixam
E o segundo não tem fim
Um dia feliz
Às vezes é muito raro
Falar é complicado
Quero uma canção
Fácil, extremamente fácil
Pra você, e eu e todo mundo cantar junto
Fácil, extremamente fácil
Pra você, e eu, e todo mundo cantar junto
Tudo se torna claro
Pateticamente pálido
O coração dispara
Se eu vejo o teu carro
A vida é tão simples
Mas dá medo de tocar
As mãos se procuram sós
Como a gente mesmo quis
Um dia feliz
Às vezes é muito raro
Falar é complicado
Quero uma canção
Fácil, extremamente fácil
Pra você, e eu e todo mundo cantar junto
Fácil, extremamente fácil
Pra você, e eu, e todo mundo cantar junto

Esta foi, na verdade, a primeira música que chamamos de “nossa”. Quando nos conhecemos, esta era a música mais tocada nas rádios e festas de Teresina. E virou nossa marca. E todas as vezes em que a gente se desentendia (e não eram poucas), ela tocava. A gente se olhava, sorria, e fazia as pazes. Era uma espécie de sinal. Coisa tola de gente apaixonada, claro, já que era natural que a música de maior sucesso no Brasil naquele ano, tocasse o tempo todo.

Parecia falar da gente. Nos sonhos, na urgência do amor que parecia não ter tempo de esperar. No coração em disparada em todos os encontros. E o nosso desejo de que tudo fosse “fácil, extremamente fácil”.  

Hoje, quando toca “fácil”, a gente ainda se olha com aquele mesmo olhar de cumplicidade, e ri, lembrando do tempo em que pensava que ela tocava só pra gente.

terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

"razão pra poder seguir"





Semana que vem é nosso aniversário de casamento. Cinco anos. Em maio, dez anos juntos. Desde o dia em que nos conhecemos, lá se vão quase doze anos.

Como a música sempre foi um elo, e uma forma de comunicação pra nós, mesmo quando não estivemos juntos, vou comemorar nosso aniversário postando algumas músicas que foram marcantes, e porque não dizer decisivas, nas nossas vidas, na nossa história.

sábado, 5 de fevereiro de 2011

A menina que senta na frente


A menina que senta na frente prende parte dos cabelos no alto da cabeça e deixa pender os cachos por sobre o ombro. Recende deles um cheiro bom de manhã com café e leite. 

A menina, quando senta na frente, deixa as pernas balançarem sem que os pés toquem o chão, e me carrega por minutos cheios de muitos segundos no vai e vem das pernas dela, enquanto o professor fala de algum assunto alheio ao movimento cadenciado e leve da existência dela.

A menina, finda a aula, presa no meu olhar infinitamente atento, apóia o pé esquerdo no chão, gira o corpo, ergue o quadril, e arruma com as mãos a blusa que mantém sempre dentro da calça. Meu coração, inda quieto de contemplação, principia disparada.

A menina vem morena e graciosa com sorriso de inacessível ‘nota dez’ para o meu saber parco e interesse pouco das coisas que não são dela. Tem um sorriso gigante de uns dentes imperfeita e lindamente colocados. Uns olhos pretos emoldurados por longos cílios. Um rosto comprido e fino, incapaz de abandonar meus pensamentos por um segundo que seja.

Da menina tudo pertenço, e de tudo me apodero: o andar macio com os pés afastados como relógio que marcasse dez pras duas, da testa alta e inteligente, dos óculos sempre levemente borrados, do jeito de cingir as sobrancelhas quando duvida de algo, do cheiro de lavanda, das coisas que dia a dia descubro no meu acanhado e silencioso observar.

Vem a menina que senta na frente e passa pelo invisível. E mora no invisível. E ocupa todas as coisas possíveis do invisível ser que a adora.

imagem, fonte: http://kaliblog.blogspot.com/2004_08_01_kaliblog_archive.html

sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

um jeito de ver o Carnaval de Teresina


O assunto da semana em todos os portais e jornal de Teresina foi a recomendação administrativa do Ministério Público, através da Promotora Leida Diniz, de que não houvesse repasse da ajuda de custo do município para as Escolas de Samba. O prefeito resolveu não brigar com o MP, e suspendeu o repasse que viabilizaria o desfile.

As razões da recomendação? Pelo que se pode ler e ver nos meios de comunicação: a promotora acha – e aqui, pra mim, esse “ACHA” grita! – que há coisas mais importantes com o que a prefeitura se preocupar. Nas matérias que li não há menção sobre malversação do dinheiro público por parte das GRES, nem da prefeitura. Em reunião com os representantes das escolas ela disse ter conhecimento de que no carnaval “não se distribui leite”, e sim bebidas alcoólicas, e compara o orçamento público com o doméstico e encerra a reunião dizendo “vocês como donos de casa, pais de família, se estivessem com o orçamento apertado fariam festa ou pintariam a casa?” (não estive lá, não ouvi esta mesma frase, mas do que ouvi do presidente do Sambão, corroborada pelas entrevistas dela que li, ainda que sejam outras as palavras, a ideia continua a mesma). Vi em sua fala desconhecimento, preconceito e parcialidade.

O que a senhora Leida ignora, e não está sozinha, infelizmente, é que uma escola de samba gera renda, direta e indiretamente, para inúmeros e variados profissionais. Para ilustrar: figurinistas, costureiras, sapateiros, ferreiro, carpinteiro, músicos, coreógrafos, dançarinos, etc. Faz circular dinheiro na compra de tecidos, madeira, ferro, adereços, tintas, e etc. Isso sem falar naqueles que no dia do desfile vendem bebidas, comidas, empurram os carros alegóricos e mais etc. e etc.

Muito do que digo agora já foi repetido e argumentado em anos anteriores. Mais do que defender o carnaval de escola de samba, gostaria de levantar alguns questionamentos com base no que li ao longo de toda a semana no twitter.

Carnaval é cultura? Em sendo, é cultura de menor valor? Se considera que não é cultura, por que em Recife e em outros estados ele é considerado Patrimônio Imaterial?

Ah, o carnaval de Pernambuco é lindo? É? E ele estreou no mundo sendo lindo?

Se o carnaval de Teresina não é lindo e lucrativo como em outras partes do Brasil é justo que se coloque a culpa única e exclusivamente nos diretores de escola de samba?

Houve descontinuidade do carnaval de GRES, o que gerou insegurança e descrédito. Todos os anos havia insegurança quanto a realização dos desfiles. Sendo assim, como é possível que a escola de samba se prepare, e siga sozinha, sem saber – e em todos os dez anos que acompanho nosso carnaval foi essa peleja – se haverá desfile ou não? Se o prefeito vai garantir a infra-estrutura e os repasses?   

Muitos são os especialistas, debochados, intelectuais, micareteiros, e “fiscais” de plantão, sendo levianos e desrespeitosos com quem faz com amor e garra o carnaval de Teresina. Mas todos esses, quando o carnaval chegar, vão para os seus sítios, para as praias vizinhas, para os festivais de música na serra...

E de quem então ficavam lotadas as arquibancadas? Que pessoas estavam nas alas organizadas e coreografadas? De onde saíram todos aqueles cadeirantes que emocionaram o público no desfile do Sambão? Que pessoas eram aquelas indo e vindo com suas famílias, lotando as barracas ao longo da Marechal?

São moradores da Matinha, da Vila Betinho, do Poti Velho, do Bumba Meu Boi. São feirantes do mercado. São pessoas simples, de vida simples. São assalariados que só podem ir à praia se pagarem parcelado, uma excursão  de 2 dias. Mas isso também é coisa de pobre, né?

Mas na televisão, em 2009, mostraram a arquibancada descoberta e ela estava vazia. A repórter falava com outro colega no interior do estado e mostrava os blocos de trios elétricos: um mar de gente. E voltava para a arquibancada vazia, ignorando o porquê de ela assim estar: Chuva!

[Qual? Aquela TV que há anos brigava por uma micareta. Que interesse teria, então? Pois é...]

Por fim, se há desconfiança na aplicação do dinheiro por parte das escolas, a promotora deve fazer mais do que recomendar que não seja feito o repasse: denunciar. Quem deve que pague. Afinal de contas, como disse Paulo Andrade em comentário na coluna de Sérgio Fontenelle: não parece inteligente matar o boi para acabar com os carrapatos.

domingo, 16 de janeiro de 2011

para uma menina

Há pouco mais de dez anos atrás conheci uma rechonchuda menina de bochechas rosadas de vestido de bolinha. E a única coisa que desejei, foi que ela me aceitasse.

Essa menina rosada e sorridente era falante, conversante, matracante. Queria ser passista da Escola de Samba, queria o disco da Kelly Key, queria cantar “Juvenar” do Karnak, queria estar comigo e com o pai aonde quer que a gente fosse. E nessa época, enquanto ela fazia parte da minha vida com uma definitividade perturbadora, eu só quis que ela um dia me entendesse.

Mas o que mais fortemente queria essa menina, uns cinco anos atrás, era crescer. E nessa de muito cedo querer ser dona do próprio nariz, de experimentar a vida na urgência que só os adolescentes têm, foi colecionando atropelos tantos quanto as cores de cabelos e piercing e gostos musicais e amigos virtuais quanto pudesse. Apareceram, então, os primeiros conflitos. Eu queria proteger, educar, fazer da minha asa o lugar mais seguro do mundo. Ela queria enganar o tempo na ilusão de que crescimento é liberdade. E a coisa que mais desejei foi que ela me ouvisse.

Há exatos três anos a menina fez quinze anos com uma bonita festa. E incumbida de dizer algumas palavras, fiz um poema, “que é coisa mais afeita às tuas luas”. E dizia “o amor não é dizido: é demonstrado. E o tanto que te amo, deixo ao teu coração, que sei: é sábio”. E tudo o que quis, com toda a força do meu coração, foi que ela soubesse.

Meses depois puxei a menina pelo braço e tive com ela a conversa mais franca da minha vida. E esperei, com a tranquilidade de quem se desnuda, que ela acreditasse.

Experimentamos então, a menina e eu, nos últimos dois anos, uma época de estranheza. Eu queria ver, no fundo daquela confiança adolescente, o coração da menina de vestido azul. Queria ver na alegria virtual daquela menina, a verdadeira alegria, aquela que não vai boca a fora, mas salta dos olhos, e invade gente a dentro; e não via. Queria ver nela dedicação e empenho com os estudos; o futuro. Queria que ela enxergasse o amor que mora nos detalhes... Mas nada quis mais fortemente, do que que ela se lembrasse dos nossos ensinamentos.

Hoje ela faz dezoito anos. E tudo o que desejo é que ela seja feliz. Porque sei que a felicidade não é um presente de Deus, é uma conquista nossa. Pra Deus faço as orações de quem ama. Pra ela peço apenas que não esqueça que nesses pouco mais de dez anos, se não fomos o que ela queria - o pai dela e eu - fomos o melhor que poderíamos. Que encontre quem na verdade é, e que tenha a verdade como princípio, porque é impossível ser feliz de mentira. Que não se acomode na própria inteligência. Que mais do que saber que pode, faça! Que mais do que sonhar, realize! Que mais do que dizer, demonstre!

Eu fico daqui, esperando – e acreditando – que mais tarde chegará o dia em que poderei dizer que a rechonchuda menina de bochechas rosadas e vestido azul, se transformou numa bem sucedida mulher, conhecedora de seu valor e potencialidades, dessas que de batalha em batalha vão colecionando muito aprendizado, e algumas vitórias.

E tudo o que quero, é que ela não queria pouco, porque sei, que com esforço e dedicação – e nada há de bom na vida que prescinda deles – ela pode muito.